17 out Minerais estratégicos para a transição energética – o caso do cobalto
O cobalto é um dos minerais críticos para a transição energética, desempenhando um papel fundamental na produção de baterias de íons de lítio, utilizadas em veículos elétricos (EVs) e sistemas de armazenamento de energia, como smartphones, notebooks e outros eletrônicos portáteis com baterias. Com o avanço da transição para fontes e usos finais em tecnologias de baixo carbono, o cobalto teve uma ressignificação como um dos principais componentes na transformação global do setor energético. A demanda por esse mineral está crescendo rapidamente, impulsionada pela necessidade de eletrificação de setores que anteriormente dependiam de combustíveis fósseis, especialmente o transporte e a geração de energia elétrica.
De acordo com o relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), as baterias de íons de lítio (já discutimos anteriormente nesta coluna) são amplamente utilizadas devido à sua alta densidade de energia, longevidade e desempenho, características fortemente influenciadas pelo cobalto. Ele é fundamental para melhorar a estabilidade térmica e a capacidade das baterias, o que permite o armazenamento eficiente de grandes quantidades de energia. As baterias que utilizam cobalto como elemento principal, como aquelas com química NMC (níquel, manganês e cobalto), são consideradas essenciais para sustentar a transição energética global.
Vale lembrar que o aumento da produção de veículos elétricos é um dos maiores responsáveis pelo crescimento da demanda por cobalto. Conforme o mercado de EVs cresce, as expectativas são de que a demanda por cobalto se amplie de forma significativa nas próximas décadas. A IEA destaca que, até 2040, a demanda por cobalto pode ser até 25 vezes maior que os níveis atuais, dependendo do cenário de transição energética adotado. Além disso, o cobalto é essencial não apenas para o setor de transportes, mas também para o armazenamento de energia em larga escala, que se torna cada vez mais necessário à medida que fontes intermitentes de energia, como solar e eólica, se expandem.
Os números indicam que, para atender às metas climáticas (o que vem se desenhando como um grande desafio), a demanda por minerais como o cobalto deverá crescer exponencialmente. A transição energética para um futuro de baixa emissão (emissões líquidas zero é cenário que, conforme já discutimos, está bastante distante do que temos atualmente) requer o uso maciço de baterias e tecnologias de armazenamento de energia, que dependem de cobalto, níquel e outros minerais críticos.
De se destacar que um dos maiores desafios em torno do uso do cobalto é sua produção altamente concentrada. Mais de 60% do cobalto global é extraído na República Democrática do Congo (RDC), o que gera preocupações em termos de segurança de fornecimento, transparência e condições de trabalho. Ademais, o processamento do cobalto é amplamente dominado pela China, que controla mais de 70% da capacidade global de refino do mineral. Essa concentração suscita incertezas, pois crises políticas, sanções econômicas ou barreiras comerciais podem facilmente interromper a cadeia de fornecimento.
A extração de cobalto na RDC está profundamente enraizada em abusos dos direitos humanos, incluindo trabalho infantil, mortes não declaradas, e condições desumanas para os trabalhadores, como exposto no livro Cobalt Red, do pesquisador Siddharth Kara. Trabalhadores artesanais, incluindo crianças, escavam o mineral essencial para baterias de dispositivos eletrônicos portáteis, muitas vezes com as mãos nuas, sem equipamentos de proteção adequados e expostos a toxinas perigosas. O impacto na saúde é devastador, com relatos de abortos espontâneos, doenças respiratórias e até mortes, frequentemente não documentadas. As grandes empresas de tecnologia, embora afirmem adotar práticas responsáveis, são involuntariamente cúmplices desse sistema, já que o cobalto extraído sob tais condições flui para as cadeias de suprimento globais.
Apesar de esforços como a Global Battery Alliance e a Responsible Minerals Initiative, as condições de mineração permanecem perigosas, com mineradores enfrentando colapsos de túneis, agressões físicas e sexuais, e vivendo em extrema pobreza. Kara destaca que, sem uma ação urgente para melhorar as condições de trabalho e a formalização do setor de mineração artesanal, a exploração e destruição ambiental continuarão a prejudicar o povo congolês.
O mercado global de cobalto também está sujeito a grandes variações de preço, o que pode afetar o custo de produção de baterias. Nos últimos anos, o preço do cobalto tem mostrado volatilidade significativa, impulsionado principalmente por flutuações na oferta e por incertezas em relação ao controle das reservas no Congo e nas políticas de exportação chinesas. Portanto, é fundamental que países importadores, como Estados Unidos e membros da União Europeia, bem como os países em desenvolvimento do BRICS, invistam em estratégias para mitigar essa dependência, incluindo pesquisas para descobertas de novas reservas e a reciclagem de baterias usadas.
Atualmente, a taxa de reciclagem do cobalto ainda é baixa em comparação a outros metais como o alumínio e o cobre. No entanto, com a crescente quantidade de baterias de veículos elétricos que atingem o final de sua vida útil, a reciclagem de cobalto deverá se tornar um componente fundamental para atender à demanda futura de forma sustentável. A reciclagem de cobalto no contexto da economia circular e outros minerais essenciais pode reduzir a necessidade de novas explorações em até 10% até 2040, aliviando parte da pressão sobre os recursos naturais e mitigando o impacto ambiental da mineração. Além disso, as pesquisas sobre novas tecnologias de baterias estão explorando maneiras de reduzir a quantidade de cobalto necessária sem comprometer o desempenho. Químicas alternativas, como o desenvolvimento de baterias com maior proporção de níquel ou que utilizam outros materiais, estão em fase de desenvolvimento, mas ainda não são viáveis em larga escala.
Outro aspecto importante do cobalto é o impacto ambiental de sua extração e processamento. Sua mineração tem sido associada a uma série de problemas ambientais, incluindo contaminação da água, desmatamento e altos níveis de emissões de carbono devido aos métodos de processamento. À medida que a demanda por cobalto aumenta, cresce também a pressão para que o setor se torne mais sustentável e adote práticas de processamento de baixo carbono. Iniciativas nas operações de mineração para reduzir o consumo de água e minimizar os resíduos devem ser o foco nos próximos anos.
Nessa perspectiva, o cobalto desempenha um papel central na transição para um sistema energético de baixo carbono. Sua importância no armazenamento de energia e na eletrificação do transporte o coloca como um mineral estratégico para a mitigação das mudanças climáticas. No entanto, a dependência de fontes concentradas de fornecimento, os desafios ambientais e as limitações tecnológicas sugerem que serão necessárias grandes mudanças tanto no fornecimento quanto no consumo de cobalto. A reciclagem e a inovação tecnológica serão fundamentais para garantir que o cobalto continue a contribuir para a transição energética para uma matriz primária e usos finais de baixo carbono no ciclo de vida completo, ao mesmo tempo que a governança e os cuidados com o ambiente devem ser intensificados para reduzir os impactos negativos associados à extração e processamento desse mineral.
Sobre o autor:
Danilo de Souza é professor na Universidade Federal de Mato Grosso, sendo membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético – NIEPE, e é Coordenador Técnico do CINASE – Circuito Nacional do Setor Elétrico. Danilo também é Pesquisador no Instituto de Energia e Ambiente da USP | www.profdanilo.com
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Fonte: www.osetoreletrico.com.br