Estudo do nexo de casualidade para pedidos de indenização por danos utilizando medições diretas em conjunto estimador de estado transitório

Estudo do nexo de casualidade para pedidos de indenização por danos utilizando medições diretas em conjunto estimador de estado transitório

O aumento do uso de equipamentos eletroeletrônicos sensíveis à perda da qualidade de energia elétrica em redes de distribuição, aliado ao maior acesso à informação pela população, impulsionou o crescimento vertiginoso do número de Pedidos de Indenização por Danos (PIDs) solicitados às concessionárias de energia nas duas últimas décadas. Como consequência, estas distribuidoras estão sujeitas a desembolsar montantes milionários para reparo de equipamentos supostamente danificados e, ainda, ocupar-se em amenizar conflitos judiciais com clientes insatisfeitos com a prestação de serviços executada [1].

Segundo a normativa vigente descrita em [2], para que um PID diligenciado por um consumidor seja deferido pela concessionária de energia responsável pela rede da região, deve ser estabelecido o chamado nexo de casualidade. Em síntese, os agentes responsáveis por efetuar o ressarcimento de danos têm de avaliar se o fenômeno transitório, acusado como o responsável pela avaria ao equipamento reclamado, irrompe pelas redes de distribuição em data e hora aproximada à informada no requerimento. Caso haja correspondência, a distribuidora tem de assumir a responsabilidade de ressarcir o consumidor no prazo estipulado.

Todavia, estabelecer apenas uma correlação temporal não assegura um parecer totalmente coeso para todas as situações, visto que, ao incidir na rede, as intensidades de tensão e corrente provocadas por um transitório diferem conforme a distância propagada dessas grandezas em direção às unidades consumidoras. Por essa razão, equipamentos elétricos semelhantes conectados em diferentes localidades do sistema estão sujeitos a suportar esforços distintos[3]. A dúvida remanescente consiste em classificar quais destas solicitações impostas serão suficientemente severas para exceder a suportabilidade dos aparelhos na iminência de danificá-los.

Uma maneira de contribuir com o processo disposto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é aferir formas de quantificar os esforços dos transitórios incidentes na rede. A inserção de uma infraestrutura avançada de medição em sistemas de distribuição possibilita a aquisição de formas de ondas ininterruptas em pontos estratégicos da rede durante a ocorrência destes fenômenos e, por consequência, podem ser determinados também os efeitos acumulativos da exposição dos equipamentos quando submetidos a estas intensidades. Na Figura 1 é ilustrado o procedimento para caracterização destes esforços, os efeitos acumulativos são apresentados em curvas que caracterizam a severidade dos eventos ao longo de toda a sua extensão [4].

Figura 1 – Cálculo das curvas de solicitação dielétrica e térmica.

O cálculo dos esforços a partir das formas de ondas capturadas durante a ocorrência de transitórios mostra maior precisão dos efeitos da propagação destes fenômenos em diversas áreas com presença de medições. Esta característica destitui, portanto, a obrigatoriedade da modelagem e a simulação de redes elétricas em ambiente computacional visto que não é necessário identificar o local exato da falta. No entanto, devido à inviabilidade econômica de se monitorar totalmente as redes de distribuição, regiões denominadas como não observáveis, ou seja, que não possuem qualquer tipo de medição vinculada, dificultam o processo acima evidenciado, pois não é possível aferir com precisão o comportamento dos eventos transitórios nessas áreas.

Desse modo, a fim de promover uma total observação de um sistema elétrico para cálculo dos esforços são utilizadas, em complemento ao conjunto de medições disponíveis (tensão, corrente ou potência), técnicas de estimação de estados. Para a estimação de sistemas elétricos sob a influência de transitórios de tensão e/ou corrente, existe como alternativa emergente o método chamado estimador de estados transitórios (em inglês: TSE – Transient State Estimator). A ferramenta compõe um conjunto de procedimentos específicos para estimar estados de sistemas elétricos de distribuição sob a influência de distúrbios de qualidade de energia elétrica (em inglês, Power Quality State Estimator) [5]–[7]. 

A aplicação do TSE considera a dinamicidade do sistema e, por isso, fornece o módulo das tensões em regiões consideradas não observáveis. Este conceito denota que, para cada pequeno intervalo de tempo ∆t, compreendido da duração total do evento, é verificado um desempenho característico dos parâmetros da rede naquele instante (tensão, corrente) em todas as barras, o que simbolicamente consiste em uma “fotografia” da rede. Isso significa que, ao término da estimação, é possível obter uma forma de onda ininterrupta do fenômeno, o que corresponderia a “sucessivas fotografias” que decompõe todo o evento considerado.

Assim como para qualquer tipo de estimador de estados, o problema geral adotado no TSE é descrito por uma equação de medição determinada a partir da correlação das medições disponíveis no sistema agregadas em um vetor de medições único, comumente nomeado como Z, com as variáveis de estado desconhecidas e que necessitam de solução, vetor denominado como X. Essa correspondência é determinada por meio de equações diferenciais dos parâmetros de resistência, capacitância e indutância (R, L, C) contidas nos principais componentes da rede (transformadores, linhas de transmissão, cargas) e dispostas de forma condizente em uma matriz de condutâncias denominada como H.

A utilização de medições de tensão e corrente na baixa ou média tensão durante a ocorrência dos transitórios implicaria em um cálculo imediato dos esforços térmicos e dielétricos impostos aos equipamentos. Ademais, adicionando a essa abordagem o TSE, é possível também estimar estes esforços em regiões não monitoradas onde uma análise de um possível PID que pode estar causando uma série de conflitos entre o consumidor e a concessionária. Logo é totalmente plausível a adequação do TSE na análise de nexo de casualidade de PIDs e, conforme seja agregada uma maior quantidade de medições, a técnica se mostra ainda mais eficaz. A Figura 2 mostra toda a abordagem acima descrita.

Figura 2 – Ressarcimento de danos utilizando medições diretas e o TSE.

Conforme descrevem os conceitos apresentados, a aquisição de formas de ondas de tensão e corrente em localidades diversas das redes de distribuição durante a ocorrência de distúrbios transitórios possibilita, com a utilização do TSE, tornar regiões com ausência de monitoramento observáveis. Essa condição viabiliza analisar com alta precisão as formas de onda de tensão e corrente durante estes eventos com finalidade de avaliar se a perturbação em questão poderia indubitavelmente ocasionar danos ao equipamento reclamado. Essa alternativa, portanto, trata-se de uma ferramenta de grande potencial para complementar o processo de ressarcimento de danos disposto e elucidar ao consumidor o que de fato ocorreu ao seu equipamento no instante questionado.

Referências bibliográficas

[1] C. E. Tavares, J. C. de Oliveira, M. V. B. Mendonça, A. C. Delaiba, and R. M. T. Silva, “An Approach for Consumers Refunding Analysis Associated to Voltage Disturbances and Equipment Damages,” Revista Eletrônica de Potência – SOBRAEP, vol. 13, 2008.

[2] Agência Nacional de Energia Elétrica, “Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – PRODIST.” Agência Nacional de Energia Elétrica, ANEEL.

[3] P. H. O. Rezende, J. C. de Oliveira, I. N. Gondim, and I. A. Bacca, “Air conditioner ATP time domain model and validation focusing reimbursement requests associated with system disturbances,” Proceeding of the International Conference on Electrical Power Quality and Utilisation, EPQU. Lisboa – Portugal, pp. 534–539, 2011. doi: 10.1109/EPQU.2011.6128828.

[4] I. Gondim, J. Barbosa, J. Oliveira, A. Oliveira, and C. Tavares, “An Approach to Obtain System Disturbance Data to Consumer Reimbursement Analysis by Real Time Measurements,” Latin America Transactions, IEEE (Revista IEEE America Latina), vol. 11, pp. 719–725, 2013, doi: 10.1109/TLA.2013.6533960.

[5] D. Of, S. In, and E. Engineering, “Power Quality State Estimation in Transient and Steady State,” 2013.

[6] A. Castellanos-Escamilla, N. R. Watson, and R. Langella, “Transient State Estimation for Transmission Systems,” Proceedings of International Conference on Harmonics and Quality of Power, ICHQP, vol. 2020-July, 2020, doi: 10.1109/ICHQP46026.2020.9177872.

[7] N. R. Watson and A. Farzanehrafat, “Three-phase transient state estimation algorithm for distribution systems,” IET Generation, Transmission & Distribution, vol. 8, no. 10, pp. 1656–1666, 2014, doi: https://doi.org/10.1049/iet-gtd.2013.0755.

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Autores:

Por Humberto Cunha de Oliveira, professor na Universidade do Estado de Minas e doutorando no Núcleo    de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE).

Por Isaque Nogueira Gondim, professor-pesquisador na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (FEELT/UFU) e integrante do Laboratório de Distribuição de Energia Elétrica (LADEE), UFU. 

Por José Carlos de Oliveira, professor-pesquisador na Faculdade de Engenharia Elétrica da  Universidade Federal de Uberlândia (FEELT/UFU) e integrante do Núcleo de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE).

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Fonte: www.osetoreletrico.com.br